terça-feira, 5 de abril de 2011

Capítulo XXV

Durante nove anos, Blimunda andou pelos caminhos sempre à procura de Baltazar. Perguntou por ele em todo o lado.
Julgavam-na doida, mas ouvindo-lhe as demais sensatas palavras e acções, ficavam indecisos se aquilo que dizia era ou não falta de juízo completo. Passou a ser chamada de A Voadora, e sentava-se, então, às portas, ouvindo as queixas das mulheres que lamentavam, depois, que os seus homens não tivessem também desaparecido, para que elas pudessem, ao menos, devotar-lhes um amor tão grande como o de Blimunda a Baltazar. E os homens, quando ela partia, ficavam tristes inexplicavelmente tristes.   
Voltava aos lugares por onde passara, sempre perguntando. Seis vezes passara por Lisboa, esta, a que vinha agora, era a sétima. Sem comer, o tempo era chegado para ela. No Rossio, finalmente encontrou Baltazar. Havia lá um auto-de-fé. Eram onze os condenados à fogueira; entre eles, estava António José da Silva, o Judeu, comediógrafo autor das Guerras de Alecrim e Manjerona e Baltasar, ela olhou-o, recolheu a sua vontade, porque ele lhe pertencia.   

Aspectos Simbólicos

Convento de Mafra
·         Representa a ostentação régia e o místico religioso, mas também testemunha a dureza a que o povo está sujeito, a miséria em que vive, a exploração a que é sujeito apesar da riqueza do país.

Passarola voadora
·         Simboliza a harmonia entre o sonho e a sua realização, o desejo de liberdade.
·         Permitiu a união entre Bartolomeu Lourenço, Baltasar e Blimunda, que juntaram a ciência, o trabalho artesanal, a magia e a musica para construir e fazer voar a passarola.
·         Símbolo de fraternidade e igualdade capaz de unir os homens cultos e os populares.

Blimunda
  • Representa um elemento mágico difícil de explicar: possui poderes sobrenaturais que lhe permite compreender a vida, a morte, o pecado e o amor.
  • Através de Blimunda o narrador tenta entrar dentro da história da época e denunciar a moral duvidosa, os excessos da corte, o materialismo e hipocrisia do clero, as perseguições i injustiças da inquisição, a miséria e diferenças sociais. 
Número “sete”
·         É o número de dias de cada ciclo lunar, que regula os ciclos de vida e da morte na Terra.
·         Símbolo de sabedoria e de descanso no fim da criação.

Sete-Sóis / Sete-Luas
  • O sete associa-se ao sol e à lua:
    1. O sol símbolo de vida, associa-se ao povo que trabalha incessantemente, como o próprio Baltasar, apesar de decepado.
    2. a lua não tem luz própria, depende do sol, tal como Blimunda depende de Baltasar. A lua atravessa fases, o que representa a periodicidade e a renovação.

Simbologia das Personagens


Bartolomeu - ser fragmentário; criação evolutiva; dividido entre a religião e a ciência.
Blimunda - olhar o interior das pessoas; recolha das duas mil vontades; vidente; magia.
Baltasar - deformidade física (perda da mão esquerda representa o corte com o passado militar); força; homem do povo: herói.

Narrador

        O narrador é geralmente heterodiegético . É uma entidade exterior à história que relata os acontecimentos. Surge na terceira pessoa. NB. Por vezes temos formas verbais na primeira pessoa do plural: “fizemos”, “tomámos” e pronome possessivo “nossos” que remetem para um tipo de narrador homodiegético. Este narrador é uma personagem da história, que revela as suas próprias vivências, mas não se trata da participação na história como protagonista. Assume vozes proféticas, críticas, sapienciais. O Narrador e Focalização da narrativa

                  Focalização omnisciente :

O narrador tem um conhecimento absoluto dos eventos, o que lhe permite uma manipulação absoluta das personagens e do tempo o que lhe permite seguir eventos ocorridos em tempos distintos.

                           Focalização interna :
  • assenta no ponto de vista e está ao nível de uma das personagens que vive a história.
  • Focalização interventiva :
  • surge como comentário valorativo e tem uma função ideológica a propósito dos eventos narrados.
                          Focalização da Narrativa

                                Omnisciência do Narrador

  • Perspectiva Temporal Passado Presente Futuro Conhecimento Global da História


  • quinta-feira, 24 de março de 2011

    Tempo

    Trata-se do tempo em que decorre a acção.
    Ø  O tempo da história é constituído por algumas datas fundamentais.
    Ø  A acção inicia-se em 1711. D. João V ainda não fizera vinte e dois anos e D. Maria Ana Josefa chegara há mais de dois anos da Áustria.
    Ø  O fluir do tempo, mais do que através da recorrência a marcos cronológicos específicos, é sugerido pelas transformações sofridas pelas personagens e por alguns espaços e objectos ao longo da obra.
    Referências cronológicas
    Ø  As referências cronológicas mais importantes são as seguintes:
    Ø  Em 1716, tem lugar a bênção da primeira pedra do Convento de Mafra
    Ø  Em 1717, Baltasar e Blimunda regressam a Lisboa para trabalhar na passarola do padre Bartolomeu de Gusmão
    Ø  Em 1719, celebra-se o casamento de D. José com Mariana Vitória e de Maria Bárbara com o príncipe D. Fernando (VI de Espanha)
    Ø  Em 1730, mais propriamente no dia 22 de Outubro, o dia do quadragésimo primeiro aniversário do rei, realiza-se a sagração do Convento de Mafra
    Ø  A acção termina em 1739, no momento em que Blimunda vê Baltasar a ser queimado em Lisboa, num auto-de-fé.

    O tempo do discurso

    Ø  O tempo do discurso é revelado através da forma como o narrador relata os acontecimentos. Este pode apresentá-los de forma linear, optar por retroceder no tempo em relação ao momento da narrativa em que se encontra ou antecipar situações.

    Espaço Psicológico

    O espaço psicológico é constituído pelo conjunto de elementos que traduz a interioridade das personagens. Nesta obra, o espaço psicológico é constituído fundamentalmente através de dois processos: os sonhos das personagens, que funcionam como forma de caracterização das mesmas ou que, num processo que lhes confere densidade humana, traduzem relações com as suas vivências; e os seus pensamentos.

    segunda-feira, 21 de março de 2011

    Espaço Social


              
                O espaço social é construído, na obra, através do relato de determinados momentos (ou episódios) e do percurso de personagens que tipificam um determinado grupo social, caracterizando-o.
    Ø  Ao nível da construção do espaço social, destacam-se os seguintes momentos:
    ü  PROCISSÃO DA QUARESMA
    ü  AUTOS-DE-FÉ
    ü  A TOURADA
    ü  PROCISSÃO DO CORPO DE DEUS
    ü  O TRABALHO NO CONVENTO

       Procissão da Quaresma
    ü  Excessos praticados durante o Entrudo (satisfação dos prazeres carnais) e brincadeiras carnavalescas - as pessoas comiam e bebiam demasiado, davam "umbigadas pelas esquinas", atiravam água à cara umas das outras, batiam nas mais desprevenidas, tocavam gaitas, espojavam-se nas ruas.
    ü  Penitência física e mortificação da alma após os desregramentos durante o Entrudo (é tempo de "mortificar a alma para que o corpo finja arrepender-se”)
    ü  Descrição da procissão (os penitentes à cabeça, atrás dos frades, o bispo, as imagens nos andares, as confrarias e as irmandades)
    ü  Manifestações de fé que tocavam a histeria (as pessoas arrastam-se pelo chão, arranham-se, puxam os cabelos, esbofeteiam-se) enquanto o bispo faz sinais da cruz e um acólito balança o incensório; os penitentes recorrem à autoflagelação
    ü  O narrador afirma que, apesar da tentativa de purificação através do incenso, Lisboa permanecia uma cidade suja, caótica e as suas gentes eram dominadas pela hipocrisia de uma alma que, ironicamente, este define como “perfumada”.

      Autos-de-fé (Rossio) Neste relato, são de salientar os seguintes aspectos:
    ü  O Rossio está novamente cheio de assistência; a população está duplamente em festa, porque é domingo e porque vai assistir a um auto-de-­fé (passaram dois anos após o último evento deste tipo)
    ü  O narrador revela a sua dificuldade em perceber se o povo gosta mais de autos-de-fé ou de touradas, evidenciando com esta afirmação a sua ironia crítica perante um povo que revela um gosto sanguinário e procura nas emoções fortes uma forma de preencher o vazio da sua existência
    ü  A assistência feminina, à janela, exibe as suas toilettes, preocupa-se com pormenores fúteis relativos à sua aparência (a segurança dos sinaizinhos no rosto, a borbulha encoberta), e aproveita a ocasião para se entregar a jogos de sedução com os pretendentes que se passeiam em baixo
    ü  Sai a procissão - à frente os dominicanos; depois, os inquisidores
    ü  Distinção entre os vários sentenciados (através do gorro e sambenito), assim como o crucifixo de costas voltadas, para as mulheres que irão arder na fogueira;
    ü  Menção dos nomes de alguns dos condenados (inclusivamente, o de Sebastiana Maria de Jesus, mãe de Blimunda)
    ü  Início da relação entre Baltasar e Blimunda
    ü  Punição dos condenados pelo Santo Ofício - o povo dança em frente das fogueiras
    ü  A proximidade da morte dos condenados constitui o motivo do ambiente de festa; esta constatação suscita, mais uma vez, a crítica do narrador - na realidade, o facto de as pessoas saberem que alguns dos sentenciados iriam, em breve, arder nas fogueiras não as inibia de se refrescarem com água, limonada e talhadas de melancia e de se consolarem com tremoços, pinhões, tâmaras e queijadas;

                     Tourada (Terreiro do Paço)
      Ø O espectáculo começa e o narrador enfatiza a forma como os touros são torturados, exibindo o sangue, as feridas, as "tripas“ ao público que, em exaltação, se liberta de inibições ("os homens em delírio apalpam as mulheres delirantes, e elas esfregam-se por eles sem disfarce”
    Ø Dois toiros saem do curro e investem contra bonecos de barro colocados na praça; de um saem coelhos que acabam por ser mortos pelos capinhas, de outro, pombas que acabam por ser apanhadas pela multidão
    Ø A ironia do narrador é ainda traduzida pela constatação de que, em Lisboa, as pessoas não estranham o cheiro a carne queimada, acrescentando ainda numa perspectiva crítica, que a morte dos judeus é positiva, pois os seus bens são deixados à Coroa.

    Procissão do Corpo de Deus

    Ø  Preparação da procissão:

    ü  Descrição dos "preparos da festa” feita pelo narrador, que assume o olhar do povo (as colunas, as figuras, os medalhões, as ruas toldadas, os mastros enfeitados com seda e ouro, as janelas ornamentadas com cortinas e sanefas de damasco e franjas de ouro), que se sente maravilhado com a riqueza da decoração (uma reflexão do narrador leva-o a concluir que não se verificam muitos roubos durante a cerimónia, pois o povo teme os pretos que se encontram armados à porta das lojas e os quadrilheiros, que procederiam à prisão dos infractores)
    ü  Referência do narrador às damas que aparecem às janelas, exibindo penteados, rivalizando com as vizinhas e gritando motes
    ü  À noite, passam pessoas que tocam e dançam, improvisa-se uma tourada
    ü  De madrugada, reúnem-se aqueles que irão formar as alas da procissão, devidamente fardados

    Ø  Realização da procissão:
    ü  O evento começa logo de manhã cedo.
    Ø  DESCRIÇÃO DO APARATO:
    ü  À frente, as bandeiras dos ofícios da Casa dos Vinte e Quatro, em primeiro lugar a dos carpinteiros em honra a S. José; atrás, a imagem de S. Jorge, os tambores, os trombeteiros, as irmandades, o estandarte do Santíssimo Sacramento, as comunidades (de S. Francisco, capuchinhos, carmelitas, dominicanos, entre outros) e o rei, atrás, segurando uma vara dourada, Cristo crucificado e cantores de hinos sacros
    Ø  CRÍTICA DO NARRADOR:

    ü  Crítica do narrador às crenças e interditos religiosos;
    ü  Visão oficial da procissão como forma de purificação das almas, que tentam libertar-se dos pecados cometidos
    ü  Censura ao luxo da igreja e à luxúria do Rei
    ü  Histeria colectiva das pessoas que se batem a si próprias e aos outros como manifestação da sua condição de pecadores

      O TRABALHO NO CONVENTO

    ü  Mafra simboliza o espaço da servidão desumana a que D. João V sujeitou todos os seus súbditos para alimentar a sua vaidade.
    ü  Vivendo em condições deploráveis, os cerca de quarenta mil portugueses foram obrigados, à força de armas, o abandonar as suas casas e a erigir o convento para cumprir a promessa do seu rei e aumentar a sua glória.