O espaço social é construído, na obra, através do relato de determinados momentos (ou episódios) e do percurso de personagens que tipificam um determinado grupo social, caracterizando-o.
Ø Ao nível da construção do espaço social, destacam-se os seguintes momentos:
ü PROCISSÃO DA QUARESMA
ü AUTOS-DE-FÉ
ü A TOURADA
ü PROCISSÃO DO CORPO DE DEUS
ü O TRABALHO NO CONVENTO
Procissão da Quaresma
ü Excessos praticados durante o Entrudo (satisfação dos prazeres carnais) e brincadeiras carnavalescas - as pessoas comiam e bebiam demasiado, davam "umbigadas pelas esquinas", atiravam água à cara umas das outras, batiam nas mais desprevenidas, tocavam gaitas, espojavam-se nas ruas.
ü Penitência física e mortificação da alma após os desregramentos durante o Entrudo (é tempo de "mortificar a alma para que o corpo finja arrepender-se”)
ü Descrição da procissão (os penitentes à cabeça, atrás dos frades, o bispo, as imagens nos andares, as confrarias e as irmandades)
ü Manifestações de fé que tocavam a histeria (as pessoas arrastam-se pelo chão, arranham-se, puxam os cabelos, esbofeteiam-se) enquanto o bispo faz sinais da cruz e um acólito balança o incensório; os penitentes recorrem à autoflagelação
ü O narrador afirma que, apesar da tentativa de purificação através do incenso, Lisboa permanecia uma cidade suja, caótica e as suas gentes eram dominadas pela hipocrisia de uma alma que, ironicamente, este define como “perfumada”.
Autos-de-fé (Rossio) Neste relato, são de salientar os seguintes aspectos:
ü O Rossio está novamente cheio de assistência; a população está duplamente em festa, porque é domingo e porque vai assistir a um auto-de-fé (passaram dois anos após o último evento deste tipo)
ü O narrador revela a sua dificuldade em perceber se o povo gosta mais de autos-de-fé ou de touradas, evidenciando com esta afirmação a sua ironia crítica perante um povo que revela um gosto sanguinário e procura nas emoções fortes uma forma de preencher o vazio da sua existência
ü A assistência feminina, à janela, exibe as suas toilettes, preocupa-se com pormenores fúteis relativos à sua aparência (a segurança dos sinaizinhos no rosto, a borbulha encoberta), e aproveita a ocasião para se entregar a jogos de sedução com os pretendentes que se passeiam em baixo
ü Sai a procissão - à frente os dominicanos; depois, os inquisidores
ü Distinção entre os vários sentenciados (através do gorro e sambenito), assim como o crucifixo de costas voltadas, para as mulheres que irão arder na fogueira;
ü Menção dos nomes de alguns dos condenados (inclusivamente, o de Sebastiana Maria de Jesus, mãe de Blimunda)
ü Início da relação entre Baltasar e Blimunda
ü Punição dos condenados pelo Santo Ofício - o povo dança em frente das fogueiras
ü A proximidade da morte dos condenados constitui o motivo do ambiente de festa; esta constatação suscita, mais uma vez, a crítica do narrador - na realidade, o facto de as pessoas saberem que alguns dos sentenciados iriam, em breve, arder nas fogueiras não as inibia de se refrescarem com água, limonada e talhadas de melancia e de se consolarem com tremoços, pinhões, tâmaras e queijadas;
Tourada (Terreiro do Paço)
Ø O espectáculo começa e o narrador enfatiza a forma como os touros são torturados, exibindo o sangue, as feridas, as "tripas“ ao público que, em exaltação, se liberta de inibições ("os homens em delírio apalpam as mulheres delirantes, e elas esfregam-se por eles sem disfarce”
Ø Dois toiros saem do curro e investem contra bonecos de barro colocados na praça; de um saem coelhos que acabam por ser mortos pelos capinhas, de outro, pombas que acabam por ser apanhadas pela multidão
Ø A ironia do narrador é ainda traduzida pela constatação de que, em Lisboa, as pessoas não estranham o cheiro a carne queimada, acrescentando ainda numa perspectiva crítica, que a morte dos judeus é positiva, pois os seus bens são deixados à Coroa.
Procissão do Corpo de Deus
Ø Preparação da procissão:
ü Descrição dos "preparos da festa” feita pelo narrador, que assume o olhar do povo (as colunas, as figuras, os medalhões, as ruas toldadas, os mastros enfeitados com seda e ouro, as janelas ornamentadas com cortinas e sanefas de damasco e franjas de ouro), que se sente maravilhado com a riqueza da decoração (uma reflexão do narrador leva-o a concluir que não se verificam muitos roubos durante a cerimónia, pois o povo teme os pretos que se encontram armados à porta das lojas e os quadrilheiros, que procederiam à prisão dos infractores)
ü Referência do narrador às damas que aparecem às janelas, exibindo penteados, rivalizando com as vizinhas e gritando motes
ü À noite, passam pessoas que tocam e dançam, improvisa-se uma tourada
ü De madrugada, reúnem-se aqueles que irão formar as alas da procissão, devidamente fardados
Ø Realização da procissão:
ü O evento começa logo de manhã cedo.
Ø DESCRIÇÃO DO APARATO:
ü À frente, as bandeiras dos ofícios da Casa dos Vinte e Quatro, em primeiro lugar a dos carpinteiros em honra a S. José; atrás, a imagem de S. Jorge, os tambores, os trombeteiros, as irmandades, o estandarte do Santíssimo Sacramento, as comunidades (de S. Francisco, capuchinhos, carmelitas, dominicanos, entre outros) e o rei, atrás, segurando uma vara dourada, Cristo crucificado e cantores de hinos sacros
Ø CRÍTICA DO NARRADOR:
ü Crítica do narrador às crenças e interditos religiosos;
ü Visão oficial da procissão como forma de purificação das almas, que tentam libertar-se dos pecados cometidos
ü Censura ao luxo da igreja e à luxúria do Rei
ü Histeria colectiva das pessoas que se batem a si próprias e aos outros como manifestação da sua condição de pecadores
O TRABALHO NO CONVENTO
ü Mafra simboliza o espaço da servidão desumana a que D. João V sujeitou todos os seus súbditos para alimentar a sua vaidade.
ü Vivendo em condições deploráveis, os cerca de quarenta mil portugueses foram obrigados, à força de armas, o abandonar as suas casas e a erigir o convento para cumprir a promessa do seu rei e aumentar a sua glória.